O PROBLEMA DA ESCASSEZ DA ÁGUA
Demorou para o mundo entender que a água não é um recurso inesgotável. Mas a escassez cada vez mais evidente é sentida na pele por países pobres, em desenvolvimento e ricos, que se veem às voltas com doenças associadas ao problema e racionamentos frequentes. Diante dessa realidade, as Nações Unidas alertam que não é possível fechar os olhos a uma prática desconhecida por muitos brasileiros, mas que, agora, parece inevitável: o reúso hídrico.
Lançado ontem em Durban, na África do Sul, por ocasião do Dia Mundial da Água, o relatório Águas residuais: o recurso inexplorado aponta as inúmeras possibilidades da reciclagem e mostra que existe tecnologia para filtrar as impurezas e reaproveitar sem riscos. Muitos países já fazem isso, principalmente no setor agrícola, o que mais explora os recursos hídricos. No Brasil, há iniciativas em alguns municípios e indústrias.
“As águas residuais são um recurso valioso em um mundo no qual a água é finita”, observou, em nota à imprensa, Guy Ryder, presidente do UN Water (ONU Água) e diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Todos podem fazer a sua parte para alcançar a meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável para reduzir pela metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentar a reutilização de água potável até 2030”, completou.
Águas residuais podem vir de diversas fontes. No ambiente doméstico, ela é aquela descartada no banho, no vaso sanitário, no encanamento da água de lavar roupa — enfim, tudo que vai ralo abaixo. Na indústria, é o que sobra dos diversos processos de produção (a fabricação de um jeans, por exemplo, consome até 10 mil litros) e, na agricultura, os resquícios da irrigação (o cultivo de 1kg de arroz exige até 3 toneladas de água). Tudo isso, independentemente do setor em que é gerado, acaba em um único lugar: o esgoto.
Pode parecer estranho e mesmo asqueroso reciclar água. Contudo, o oficial de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Massimiliano Lombardo, esclarece que isso não passa de preconceito. “A mensagem central do relatório mundial é que as águas residuais não são um problema, são um recurso valioso e podem ser parte da solução da crise hídrica. Toda essa água suja, que pensamos que tem de ser eliminada o mais rápido possível, pode ser recuperada e reaproveitada”, afirma.
Aceitação
Para Lombardo, é muito importante aumentar a aceitação pública do reúso da água. “No mundo, já há experiências de reúso em larga escala, inclusive para o consumo humano”, diz. Um dos porta-vozes dessa prática é o fundador da Microsoft e filantropo Bill Gates. Há dois anos, ele anunciou o desenvolvimento, no Senegal, de uma máquina que transforma detritos em água potável em segundos. Em seu blog, ele postou uma foto na qual aparece tomando a água produzida pelo chamado Omniprocessor, que, além de filtrar e tratar o líquido, reaproveita o resíduo como adubo e gera energia.
De acordo com o oficial da Unesco, em Cingapura, a população bebe água reciclada dos esgotos, completamente renovada e segura. Porém, Lombardo esclarece que, no Brasil, onde a escassez não é tão grave, o foco do reúso de águas residuais não é o consumo humano. Aqui, os principais alvos são a indústria e a agricultura. Em São Paulo, a maior experiência industrial vem do Aquapolo Ambiental do Polo Petroquímico da Petrobras, que, com essa e outras iniciativas no Rio de Janeiro, no Paraná e em Pernambuco, utilizou 24 bilhões de água reciclada em 2013, o suficiente para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes por ano. A companhia estima que, em 2015, economizou 35 bilhões de litros de água doce.
No setor agrícola, o Núcleo de Pesquisa em Geoquímica e Geofísica da Litosfera da Universidade de São Paulo (USP) testou, por 15 anos, o reúso da água residual na irrigação de lavouras de Lins e Piracicaba. No experimento, o esgoto foi tratado, mantendo os níveis de minerais e nutrientes, como nitrogênio e fósforo. A economia no uso de fertilizantes nitrogenados foi de 80% no plantio do capim destinado à alimentação do gado — além do retorno da água, o reúso desse recurso se refere aos resíduos, que podem ser usados não só na agricultura, mas na indústria.
Embora o consumo de água potável seja menor no meio urbano, especialmente no espaço doméstico, Massimiliano Lombardo destaca que existem inúmeras soluções arquitetônicas que permitem o reaproveitamento do recurso, como a instalação de calhas para captar água de chuva. “O setor urbano e o doméstico não são o principal (consumidor de água), não somos os maiores responsáveis, mas somos os que mais podem dar o exemplo”, acredita.
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