ESGOTO DIRETO NOS RIOS
Em quatro de cada cinco municípios brasileiros, não há tratamento de esgoto.
Essa é uma das conclusões do Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, divulgado na noite deste domingo pela Agência Nacional de Águas (ANA, órgão ligado ao Ministério das Cidades). O estudo mostra que 81% – 4.490 de 5.570 – dos municípios despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza.
“As deficiências na coleta e no tratamento de esgoto no Brasil não são novas. Mas pela primeira vez conseguimos estimar o impacto da falta de saneamento nos cursos d’água, e quanto custaria para que todo o país tivesse o mínimo de tratamento previsto por lei”, disse à BBC Brasil Sergio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA e um dos autores do estudo.
Na verdade, considerando a lei brasileira, o índice é ainda pior: quase 90% das cidades do país trata menos de 60% do esgoto – o mínimo para que se possa lançá-lo nos rios, segundo a resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente, ligado ao Ministério do Meio Ambiente).
Apenas 769 cidades (entre as 5.570 que existem no Brasil), a maioria delas no Sudeste, fazem mais do que isso. Entre os Estados, só São Paulo, Paraná e o Distrito Federal removem mais de 60% da carga orgânica dos esgotos produzidos em seu território. Quase 70% dos municípios não possui nenhuma estação de tratamento.
“Analisamos os 5.570 municípios do país, que têm realidades diferentes. Mas mesmo considerando as 100 maiores cidades brasileiras, a ‘elite’ seria reprovada”, diz o pesquisador.
“E praticamente nenhuma região é uma exceção à regra, ao contrário de outros indicadores, em que as diferenças regionais são acentuadas. Nesse ponto, tá ruim para todo mundo.”
2 mil piscinas de esgoto por dia
A carga de esgoto é medida em Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) – que corresponde à matéria orgânica presente nele. Quanto maior a quantidade de DBO, pior a qualidade do esgoto.
O Brasil produz, todos os dias, 9,1 mil toneladas de DBO, das quais somente 39% são tratadas. “Isso significa que mais de 5,5 mil toneladas do que produzimos em casa são jogadas sem nenhum tipo de tratamento, diariamente, em rios que são usados pela população”, explica Ayrimoraes.
Por causa do material sólido, é difícil estimar corretamente o volume de 5,5 mil toneladas de esgoto. Se fosse só água, ele encheria cerca de 2 mil piscinas olímpicas.
De acordo com o Conama, os rios brasileiros são classificados em uma escala de 0 a 4 em termos de poluição. Um rio de classe 0, ou especial, é aquele de onde se pode beber água com a simples adição de cloro. Já um 4 é tão sujo que serve, na melhor das hipóteses, para navegação.
Segundo a ANA, o país tem atualmente cerca de 83 mil km de rios na classe 4, considerados “rios mortos” – o que equivale à extensão combinada dos 17 maiores rios do mundo.
“Isso corresponde a 4,5% do total de bacias hidrográficas do país. Pode parecer pouco. Mas temos que levar em consideração que esses rios mais comprometidos são justamente os mais próximos dos centros urbanos. Isso é muito significativo”, disse Sergio Ayrimoraes.
Questionado, o Ministério das Cidades, órgão responsável or implementar soluções urbanas para esse tipo de problema, disse que só se manifestaria sobre o relatório na terça-feira, quando ele será lançado oficialmente.
A meta é ter um rio morto?
A bacia do rio Tietê, em São Paulo, é considerada referência em poluição no Brasil. Cerca de 70% dos rios ligados ao Tietê são considerados de classe 4, segundo um levantamento da ONG SOS Mata Atlântica.
De acordo com o estudo, o trecho do Tietê considerado morto diminuiu no último ano, mas ainda é de 130 km de extensão. Até o último mês de março, só 2% dos pontos de coleta de monitoramento da qualidade da água o rio tiveram resultado bom. Quase 40% foi considerado “ruim ou péssimo”.
“A função dos rios não deve ser ficar diluindo esgotos”, disse à BBC Brasil Célio Pereira, especialista em recursos hídricos da ANA e um dos autores do estudo.
“As ações de despoluição no Tietê não melhoraram a qualidade do rio dentro de São Paulo, mas reduziram a mancha de poluição do rio. Mas queremos alcançar a qualidade de água necessária para realmente usarmos os nossos rios. E desse jeito, parece que não vamos conseguir.”
Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, a despoluição dos rios também depende de uma mudança de legislação. “A lei de recursos hídricos no Brasil estabelece que se deve garantir o uso múltiplo e sustentável da água. Mas por que existe uma classe de rio que só pode ser usado para navegação?”, indaga.
Segundo ela, os parâmetros de limpeza da água usados no Brasil foram importados dos Estados Unidos, no anos 1970. À época, fazia sentido classificar os rios de 0 a 4, em termos de despoluição.
O enquadramento em diferentes categorias é utilizado para que se possa definir quais trechos de rios devem ser mantidos em níveis mais altos de limpeza e quais, se for necessário, podem ter um grau menor.
“A classe 4 não pode ser uma meta de qualidade. É uma norma que mantém o Brasil num estágio medieval de saneamento.”, diz Ribeiro.
Ayrimoraes, da ANA, admite que a divisão não é ideal e que nenhuma cidade deve estar satisfeita com um rio de categoria 4. “Existem casos em que mesmo no limite da tecnologia e da eficiência de tratamento de esgoto, não se consegue evitar a classe 4 em um trecho de rio – mas isso tem que ser exceção, e não regra.”
Fonte: BBC Brasil
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