Alerta e esperança: duas palavras para pensar os novos rumos do mundo.
Cristovam Buarque é engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político brasileiro, membro do PDT. Atualmente é senador pelo Distrito Federal. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de Lula. Nas eleições de 2010, foi reeleito para o cargo de senador pelo Distrito Federal, com mandato até 2018.
Confira a entrevista.
O que esperar da Rio+20? O senhor ainda acha que ela corre o risco de ser um fracasso?
Cristovam Buarque – Ela corre o risco de ser um fracasso, sim, por duas razões: caso não compareçam aqui os principais chefes de estado e de governo (é preciso fazer com que eles venham); e, segundo, se o documento que sair não for satisfatório – para isso não acontecer é preciso que ele traga esperança nova para o mundo inteiro. Mas eu ainda espero que isso seja superado, que se consiga que todos os chefes de estado venham e que, no final, chegue-se a um documento que passe para o mundo inteiro a clareza do risco que corremos e da esperança que podemos ter mudando o rumo seguido nos últimos anos. Da Rio+20, além disso, eu espero que a sociedade civil, os movimentos sociais, as ONGs e todos que vão participar do encontro paralelo, terminem os debates com um documento pronto. Não importa o que for feito pelos chefes de estado. Façamos o nosso documento. E espero que se crie lá o que eu tenho chamado de “tribunal” para julgar os crimes do desenvolvimento, para manifestar a posição de grandes personalidades mundiais sobre os projetos que a economia vem fazendo.
Posso dizer de antemão que uma coisa já está praticamente certa: vai sair da reunião a criação de um instituto para pensar o futuro, que fará parte da Universidade das Nações Unidas, e que ficará no Rio de Janeiro. Isso já está decidido e o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, está fazendo o possível para que vire realidade.
Quais as principais demandas e desafios da Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20?
Cristovam Buarque – O maior desafio da subcomissão é elaborar linhas – já que a resposta concreta não vamos ter – que permitam o progresso sustentável, equilibrado, diferente daquele das últimas décadas, baseado apenas na produção material da economia, e que termina sendo um progresso que destrói a natureza, que concentra a renda, que se baseia no consumo e não no bem-estar. E essa é a grande demanda: mudar a mentalidade como olhamos e definimos o que é progresso.
Além da falta de representatividade, quais são os outros principais problemas da conferência?
Cristovam Buarque – Vejo um problema a mais, que é qual será a proposta que vai sair da reunião. Teremos um documento ousado, com um alerta para os riscos à humanidade inteira? Ou vai se esquecer desse risco, falando apenas da economia verde? O outro problema, como sugere a pergunta, é o da representatividade. Quanto à infraestrutura, acho que não vai haver riscos. O governo está trabalhando muito bem para criar todas as condições materiais, tanto de hospedagem como de transporte e segurança, para que o encontro aconteça com muita tranquilidade.
Por que o senhor pensa que a Rio+20 não é uma prioridade da ONU?
Cristovam Buarque – A Rio+20 é importante para a ONU, mas não é prioridade porque, com a crise atual, ela tem que se preocupar com o Irã – se vai fazer bomba atômica ou não –, tem que se preocupar com Israel e Palestina, tem que se preocupar com a Europa, em função da crise que está vivendo, além de se preocupar com os desastres naturais da seca e com a fome em tantos países. Assim, a ONU termina deixando de lado tudo o que tem a ver com o longo prazo. Ela fica muito prisioneira no imediato, nos problemas de hoje e não tem tempo de pensar nos problemas do futuro.
Quais as propostas que deveriam ser debatidas na Rio+20?
Cristovam Buarque – O que não pode deixar de ser tocado é justamente o que, lamentavelmente, deixará de ser tocado. O conceito de progresso é o primeiro ponto: qual é o progresso que queremos para o futuro? É o progresso de mais gente trabalhando ainda mais, se endividando para consumir mais, ou o progresso de mais gente incluída socialmente, destruindo menos a natureza? Nós podemos definir a maneira de progredir no sentido de que as pessoas tenham mais tempo livre, possam usufruir mais das atividades culturais e não só o consumo dos bens materiais.
Quais os caminhos para se eliminar a pobreza sem depender de crescimento econômico?
Cristovam Buarque – Em primeiro lugar, redefinir os conceitos. Se dissermos que progresso é crescimento, então, sem crescimento econômico não há progresso. Mas podemos definir que progresso é ter o que comer, ter escola, ter saúde e que o crescimento econômico é uma necessidade, mas não é o suficiente. O Brasil tem uma população muito pobre ainda, e é preciso produzir para eles. Isso dará um crescimento pela base. E há produtos de alta renda que não precisam continuar crescendo, até porque eles produzem a crise ecológica. É preciso produzir o que é necessário para as populações mais pobres. Para as classes mais altas, está na hora de começar a reduzir o nível de consumo daqui para a frente. O melhor caminho para erradicar a pobreza chama-se educação e ela depende menos de crescimento econômico do que do bom uso do dinheiro que já temos. O Brasil já tem renda suficiente para poder ter uma boa educação para todos.
Como o senhor vê a expressão “desenvolvimento sustentável”? É possível imaginar um desenvolvimento, no sentido do crescimento econômico, de forma ambientalmente sustentável?
Cristovam Buarque – O atual crescimento econômico é impossível de ser sustentável. Veja o caso do automóvel. Suponhamos que se consiga substituir totalmente o petróleo por etanol, que é sustentável. Mesmo assim, não dá para continuar aumentando o número de automóveis, porque eles não cabem mais nas estradas. É uma questão de aritmética. Cada automóvel tem um número de metros quadrados, que vão ocupando cada vez mais espaço.
Como a sociedade brasileira pode se preparar para a Rio+20, no sentido de contribuir para sucesso da Conferência?
Cristovam Buarque – Deve se preparar debatendo os temas no trabalho, nas escolas. Para isso criamos o Dia Nacional da Consciência das Mudanças Climáticas, sancionado na semana passada pelo deputado Marco Maia , quando estava substituindo a presidente Dilma e seu vice. Será no dia 16 de março do próximo ano, quando teremos um dia de debates sobre as mudanças climáticas. Outra forma é ajudando o governo a criar uma cidade capaz de receber bem todos que virão para o Rio de Janeiro em junho do próximo ano.
Como imagina que os temas propostos pelo senhor (água; energia; pobreza; padrão de consumo; novo indicador de progresso; biodiversidade; aquecimento global; padrão de produção e distribuição; economia verde; cidades; ciência e tecnologia; e decrescimento) serão discutidos na Rio+20?
Cristovam Buarque – Esses temas serão muito pouco discutidos entre os chefes de Estado. Mas creio que poderão ser bem discutidos na reunião paralela, da sociedade civil. O problema é que hoje não temos estadistas mundiais. Eles vêm para esses encontros como presidentes, cada um do seu país. Ninguém vem ali para falar dos interesses do planeta. Cada um falará dos interesses do seu respectivo país. O resultado é que não se tocarão nos problemas planetários, civilizatórios da humanidade. Ninguém vai se preocupar com os problemas de longo prazo, porque são candidatos e o candidato deve falar para atender às necessidades imediatas da população, já que a política se faz no curto prazo, mesmo que os problemas sejam de longo prazo.
Por isso que se fala tanto da questão da governança internacional…
Cristovam Buarque – Exatamente. Para um simples problema financeiro na Europa não foi encontrada a solução facilmente, pois se reúnem para pensar, cada um, nos votos que terão. Sarkozy está agindo pensando na eleição do próximo ano. O eleitor dele não quer que ele ajude a Grécia, mas que resolva o problema do desemprego no seu próprio país.
O que não poderia faltar na “Carta do Rio ao Mundo”, em conclusão à Rio+20?
Cristovam Buarque – Duas coisas: alerta e esperança. Não pode faltar no documento final uma palavra que faça o alerta de que o rumo que estamos seguindo não pode continuar; e a outra palavra é de que o próximo rumo exige um novo conceito de progresso no mundo.
E o que faria parte deste novo conceito de progresso?
Cristovam Buarque – Conseguir tempo livre, garantir educação e saúde de qualidade igual para todos. Além disso, é preciso trabalhar para que o país e o mundo não tenham pobreza.
Fonte: Revista IHU – Unisinos
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